28.7.09

HAIKU – XXXIII



teu inútil gesto

foi no espelho refletir
dois gestos inúteis



HAIKU – XXXII



luar de outono

na face calma do lago
peixe deixa rugas



TANKA – XXVI



na pele os apelos

condensam auras tais de um
talismã sutil
pigmenta-se a vontade
tanto mais que nos impele



HAIKU – XXXI



ao sabor do vento

no mar revolto o navio
persegue a fumaça


27.7.09

TANKA – XXV



no affiche os Alpes

livram-me à ambigüidade

de a um tempo ser

imaginário (cartaz)

e real (diante de mim)




HAIKU – XXX



manhã de verão

borboleta em zig-zag
vou trôpego e bêbado



TANKA – XXIV (Transparência é código)



como um ser que invade

espaços feito vidraças
sem transparecer
ser vitrine ou vítrea máscara
de indecifrável vitral



26.7.09

HAIKU – XXIX



no templo ao poente

ardem incensos num altar
calam-se as cigarras



HAIKU – XXVIII



a luz de um instante

desfez-se no esquecimento
do sono de um sonho



25.7.09

TANKA – XXIII



teu olhar é barco

que em mar ausente hesita
e à praia não dá
bóia em querências leves
à deriva do improvável



HAIKU – XXVII



acata-me no átimo

desata em nós o nó
ata-nos no ato



HAIKU – XXVI



na paz da floresta

a luz do sol entre as folhas
parece uma festa



HAIKU – XXV



a pêra mais doce

no corte afiado da faca
não é menos doce



TANKA – XXII



foi um não sem curvas

que se projetou calado
e traçou fatais
parábolas de silêncio
na elipse de um certo sim



HAIKU – XXIV



no céu o milhafre

dá suas asas ao vento
o vôo : recompensa



HAIKU – XXIII



uma vela acende
outra outra e uma outra ...
vai nascer o dia



24.7.09

HAIKU – XXII



numa torre ao longe

tange docemente um sino
gritam-me lembranças



TANKA – XXI



nada impede que

no carrossel das carências
um novo absurdo
mude o tropismo do mundo
e que assim me mova: lógico!



23.7.09

HAIKU – XXI



sol de primavera

os silêncios do inverno
fundem-se com o gêlo



HAIKU – XX (quase um haikai)



uma grande idéia

mas pesada demais para
ser lançada ao longe



TANKA – XX



o vento é ela

à roda da calmaria
sonsa caravela
a zanzar rotas ambíguas
pelos meus meridianos



HAIKU – XIX



a orquídea lilás

chegou ao fim do seu sonho
e eu só envelheço



22.7.09

TANKA – XIX



vontade é cristal

exposto a sol frouxo e baço
e posto que luz
na pedra cega da carne
penetra só abstrata



HAIKU – XVIII



versos como odores

aspirados na dor vão
inspirar avessos



HAIKU – XVII



nas águas da fonte

duas carpas em silêncio
calam suas mágoas



HAIKU – XVI



a lua na poça

sob os pneus apressados
chão de vagalumes



HAIKU – XV



quando o céu se zanga

os galhos das madressilvas
põem-se a dançar



TANKA – XVIII



viver o cimento

do lar do céu e da rua
mas como esquecer
do olhar que vive enjaulado
nos meus dias de cimento ?



21.7.09

HAIKU – XIV



tarde fria e branca

cai aos pedaços e dança
faz-se branco em mim



HAIKU – XIII



do bisturí o corte

em linhas finas desata
a vida e a morte



TANKA – XVII



tão simples e exposto

acolhe o túrgido seio
a sôfrega boca
sacia : quando deleita
deleita : quando sacia



TANKA – XVI



peneira de horas

onde vai-se o que é manhã
e no breu que resta
espessam-se-me os vazios
acendem-se os teus espantos



TANKA – XV



ficou o nosso afeto

naquela frase apertada
entre dois vazios :
fez-se matéria de ausências
céu espelhado na poça



HAIKU – XII



nos reflexos dos

nossos espelhos trincados
os dias sem nexo



HAIKU – XI



do avião os Alpes

flutuam num mar de nuvens
salinas no ar



TANKA – XIV



comprime-se o grito

na falta de ar a lástima
é a centelha que
busca o vácuo que sufoque
no soluço a explosão



TANKA – XIII



face ao mudo espelho

fez-se nudez a vertigem
e na queda o olhar
foi equívoco evocar
mistérios que jamais viu



TANKA – XII



como um quarto que

por tão claro ter-se feito
descresse da luz
e na escuridão da casa
de si mesmo se apagasse



TANKA – XI (Setentávamos)



quanto mais o grito

se fez pedra mais a vaga
( sem mar ) foi ressaca :
em praias de asas ao vento
voar foi só uma idéia



HAIKU – X



a pedra transpira

seu silêncio em orvalho
amanhece e chora



TANKA – X



o pesar da rua

submete-me à alegria
de (ileso) seguir
de pacto com os eclipses
do que alegra cada esquina



TANKA – IX



um dito não dito

não foi grito nem vazio
um nada dizer
fez do nada uma resposta
porque o nada disse tudo



HAIKU – VIII



convergem-se vidas

fundem-se perdem-se acham-se

num álbum os anos




HAIKU – IX



na folha de outono

vê-se ainda um derradeiro
laivo de verão



TANKA – VII



chuva muda e íntima

a escorrer pelos ladrilhos
dos porões do exílio
umedecem-me remorsos
gotejam – a vida inteira.



TANKA – VI



tece-se em nós

no atar dos nós e dos fios
nós : o tecido
sêda : no gesto que acolhe
teia : à espera da presa



HAIKU – VII



diagonal de lua

retalha na tez a mudez
de uma monja nua



HAIKU – VI



janela do trem

movimentos em contrário
fronteiras em mim



HAIKU – V



lasso o meu olhar

singra o mar em tua pele
mas não deixa traço



TANKA – V



qual um dedo em riste

teu olhar persiste e apaga
na lembrança o eco
da voz que nela habitou
afaga a ausência que resta



TANKA – IV



de tanta paixão

duas vidas se embrasaram
que se evaporou
a fronteira que as continha
fez-se luz : cristal : manhã



HAIKU – IV



do quarto do hotel

vejo hotéis em quartos outros
todos quartos de hora



TANKA – III



teu olhar acende

o farol do fim do mundo
cego sou Cabral
perdendo-me a descobrir
mares no meio da rua



TANKA – II



um móbil mosaico

onde entrevista aos pedaços
a luz se extravia.
no caos do caleidoscópio
só o vislumbre é que me alumbra



TANKA – I (Bunjee jumping)



sobre o parapeito

a vida à ponta do fio
é o nó. visa. e
diante do nada que irrompe
o mêdo se contrai : salta



HAIKU – III



aldabra de bronze

tanto bate até que brada
(já zonzo) o bonzo



HAIKU – II



penetrar a tarde
em túneis outros de uns
e anoitecer



HAIKU – I


sob telhas e fronhas
amantilham-se os amantes
enfronham-se. imantam-se